Textos

Maria Rita Kehl, Boitempo, 2020 (Orelha)

Ressentimento

Ressentimento é palavra-chave para ousar compreender o mundo hoje. Para escutar as camadas subterrâneas do contínuo re-sentir de uma mágoa e um lamento que parecem infinitos -e exigem desforra e vingança.

Valor Econômico, 2019

A máquina de sonhar

Um menino, aos sete anos, sonhou com sua mãe: adormecida, com expressão muito calma, ela estava sendo carregada para o quarto e deitada na cama por duas (ou três) pessoas com bicos de pássaros. O menino acordou chorando e gritando.

Conto, Livro Amor, desejo e gozo, 2017

Vácuo

Você negaria até a morte mas a verdade nua e crua (e meio besta) é que você sempre me enganou. Mesmo e sobretudo com esse seu discurso mole. O inescapável núcleo encantador da serpente que habita em mim se repetindo à exaustão.

Revista Insight, 2001

Notas sobre o impossível: dizer e amor em Clarice Lispector

Como dizer do amor, esse inexplicável? Pior: do amor em Clarice Lispector? Podemos buscar delimitar seus contornos, sabendo no entanto que se está ousando muito: buscar cercear o impossível do amor, do sentimento e da alma através das sempre desajeitadas palavras.

revista Facom/FAAP 2009

A criança eterna

A expressão latina puer aeternus remete à posição daquele que busca permanecer eternamente como criança ou jovem, recusando-se a aceitar o desenrolar inevitável da vida que, se levada às suas últimas consequências, se encaminharia na direção de uma vivência relativamente autônoma até seu fechamento deslocado para a posição do senex, o velho.

Theatro Municipal, programa da ópera Elektra, 2016

Electra Analítica

Há muito, muito tempo -milênios- eu te odeio. Te odeio do mais profundo do meu ser. Esse fio de ódio é o que move minha alma, meu corpo, minhas palavras. Milhares de vezes olho minhas mãos e sonho com o dia em que elas terão o gozo final de te destituir.

Conto, Livro Amor, desejo e gozo, 2017

Era uma vez uma ilha: a dança

E de repente, de dentro da contenção dos sistemas e dispositivos, explodia a dança. Voraz, ágil, veloz. Era a áfrica em estado puro que emergia da pulsação cada vez mais forte dos tambores em que todos os corpos da ilha pareciam percutir.

Estado de S. Paulo (Aliás), 2015

Álcool: a deusa de olhos verdes

Aquele som penetrando doce na pele, no fígado, nos neurônios, no coração. A leve inconsciência vinha chegando, discreta; parecia que vinha devagar, sutil. Aura embriagada a afogar a razão, devagar. Como se afundasse um bebê recém-nascido e frágil na pia cheia de água. Devagar. Tudo era turvo, um pouco zonzo.

A vida com Lacan, 2015 (Resenha)

Escrever a vida com Lacan

Dizer o amor talvez  seja quase tão impossível quanto vivê-lo.
Este relato de Catherine Millot, no entanto, nos leva a imaginar que ela foi feliz ao menos na tarefa de traduzir em palavras algo do vivido e assim criar a tessitura imaginário-simbólica ao redor desses dois impossíveis, da ordem do real.

Editora Todavia (Resenha), 2018

Édipo: a encruzilhada fatal

Muitos séculos depois da primeira encenação de Édipo, temos a seguinte situação: um jovem médico que havia começado sua vida engajado na ciência, buscando decifrar a bioquímica neuronal, agora recebia pacientes em Viena, e ouvia repetidamente algo que acabou por lhe chamar a atenção. Como foi essa história?

Folha de S. Paulo, Ilustríssima, 2014

Conflitos e Violência: Entre bombas e 7×1

Há momentos em que as linhas de força dos eventos se condensam e formam uma configuração rica o suficiente para não sair da memória, e virar uma história.

Revista Acheronta, 2003

Paris, Texas: A reescritura do sentido

Uma sombra que perpassa “Paris, Texas” é a da negatividade. O filme transita entre a impossibilidade quase plena – fatum, destino inexorável – e raros flashs de luz, de sentido e da forja de um possível. Primeiro paradoxo: entre o tom e a forma, a atmosfera e a fotografia, dentro e fora. Um filme claro, prenhe da luz do deserto; ao mesmo tempo de excesso, que cega.

Contos, Prêmio Ignácio de Loyola Brandão, 1997

Sobre o banco

Ela não sabia que ele tinha ido ao cais. Havia saído de casa há já duas horas. Por onde andava esse menino? Essa era a questão que se fazia há anos. A dúvida cercava o espaço: onde? Estava cansada de procurar. Cansada de esperar. Cansada de se importar.

Revista Percurso, 2009

O erro como desvelamento e limite

Ela abre o livro com um quase místico parágrafo sobre o ser e sua entrega que condensa todo o livro. Vale a pena retomá-lo: “Houve um tempo em que eu tinha a sensação de ter apreendido o ser de Lacan em sua essência.

Revista Textura, 2016

Função da filiação

Quem sou eu? Sou qualquer coisa de triste, qualquer coisa que chora, qualquer coisa que sente saudade. Tenho um humor seco, sarcástico, inteligente, sagaz, simpático e misterioso. Sou heterossexual e quero fazer amigos, conhecer companheiros para atividades e tecer contatos profissionais.

revista Facom/FAAP, 2005

Desejo, crime e castigo

O desejo parece atrair tragédias. Desde tempos remotos podemos dizer que essa conexão se faz, mais ou menos conscientemente. Édipo e Antígona estão aí para nos lembrar disso, sob o pano de fundo dos coros das tragédias gregas que não deixam de sublinhar o ponto de entrelaçamento entre desejo e morte.